quarta-feira, 9 de julho de 2014

"A eutropia de Chiara Civello, a extropia de Nicola Conte", por Rioma Brasil

Mais uma matéria maravilhosa de Romina Ciuffa para o Rioma Brasil, dessa vez sobre a participação da Chiara no Festival Eutropia:



Será o destino, Chiara Civello e Nicola Conte se apresentam no Eutropia, o festival romano de musica, o único que consegue verdadeiramente em um verão capitolino, que não dá outra chance, onde a programação é pobre e no qual os patronos fizeram compromissos um tanto políticos para ter bom gosto, enquanto os organizadores se focaram unicamente no Mundial, antes, a .... ? (omissis) depois (veremos e escreveremos). 

O fato é que não tem apenas o mágico Brasil ao qual estamos habituados e onde tem especulações sem conteúdo. Eutropia,  estávamos falando, e não é acaso que Chiara Civello a escolheu.

Eutropia era uma daquelas cidades de memória calviniana: cidade que apesar de sua constante mudança está sempre idêntica a si mesma, compondo o destino que carrega no nome: boa mudança. E Chiara é isso: eutropia, boa mudança.  Não só isso: “também as cidades de serem obra da mente ou do acaso, mas não bastam apenas uma para construir suas paredes. De uma cidade não se aprecia as 7 ou 77 maravilhas do mundo, mas a resposta que dá a uma pergunta", escreveu Marco Polo, citado por Italo Calvino. Uma viajante eterna, que parada nunca estará, que não encontra paz senão na mudança e nas resposta que as pessoas dão.

Esta resposta hoje é grande, é um sim. Um sim imenso e corajoso, o último trabalho, 17 canções. Não são a canções quaisquer que Chiara se entrega esta vez. São AS canções. Algumas crescemos com ela, outras foram se juntando.  Paolo Conte, Pino Daniele, Vinicio Capossela, Jimmy Fontana e vai indo. O álbum dos seus sonhos finalmente está aqui, e é no seu pós-Rio, momento no qual, após alcançar o sucesso entre os  brasileiros, retorna aos romanos, para uma escolha unânime: digo unânime e me refiro às duas faces de Chiara, uma geminiana que oscila entre as múltiplas grandes personalidades que se movem no mundo com força e fragilidade, paciência e impaciência, solidão e multiplicidade, indo e retornando. Unânimes os dois gêmeos trazem de volta a casa, neste tempo, e Roma a agradece agora que a vê mais trasteverina que nunca.

E hoje é também mais pugliesa: desde quando escolheu Nicola Conte para este disco que era em preparação há tempo, com ele foi possível, ela fala no palco de Eutropia, primeiro concerto em casa que ela se apresenta, juntamente com ele, em 06 de julho. A extropia de Conte, portanto, reorganizar em ordem, fenômeno das estruturas organizadas e vitoria temporânea sobre a entropia. Isso indica, ela vestida de azul argento, ele parado com sua guitarra, pés fincados no chão. Estamos falando de um musicista que no decorrer de sua vida soube conduzir sonoridades diferentes e misturando mundos como Itália e Brasil, eletrônica e bossa nova, clássicos italianos e jazz, com sabedoria e sensibilidade. 

Depois dos primeiros experimentos pessoais, em Jet Sounds, mistura elementos de jazz com a club culture – foi ele que descobriu Rosália de Souza, quando produziu Garota Moderna (em seguida produziu um remix em Garota Diferente), é autor de centenas de remixes, colaborou com jazzistas como Nicola Stilo, Fabrizio Bosso e outros. Hoje está no palco com Chiara Civello e não se surpreende: quem melhor que ela para entender o eclético? Quem melhor que Civello sabe fundir os estilos, sabe estar continuamente em discussão da escolha e dar uma imagem mais firme e definitiva, se aventurando com coragem em todos os novos  trabalhos com a diversidade que arrebata fãs?

A dupla é formada, e um branco e preto de época apresenta este primeiro concerto na casa dela, a sua Roma que, como uma mãe, a acolhe pontual, para voltar no tempo com as canções que a jazzista a faz dela e reinterpreta com voz civelliana, quente e impecável. Il Mondo, que ela canta faz anos, é nas suas mãos e no seu olhar, não parou em nenhum  momento, a noite é sempre seguida do dia. A mesma canção na qual, no Blue Note de Milão, ela chorou, em 21 de dezembro, hoje é parte de um projeto completo, depois de muitas viagens entre Rio, Roma, Bari e tantos outros, o mundo a pertence ainda mais. 

E assim Io che amo solo te, cavalo de batalha nos seus concertos, com o qual levou o clássico italiano também ao Brasil, também é um pouco de Chico Buarque, que no disco canta com ela, enquanto Gilberto Gil, durante a gravação de Io che non vivo più di um`ora senza te, se comovia. 

No álbum também Ana Carolina, com a qual Chiara dividiu tantos palcos brasileiros e alguns italianos, canta com ela E penso a te, que nesta apresentação Chiara interrompe para escutar o público em coro esta que é uma das grandes canções italianas de todos os tempos. Todos os brasileiros cantam em italiano no disco. Exceção de Esperanza Spalding que no I mulini dei ricordi de Michel Legrand, duetam em italiano e inglês.

O público de Eutropia é o de Chiara Civello, são todos aqueles que amam as suas contínuas mudanças, a sua surpresa, as suas atenções nos confrontos do palco, são, entre outros, Diana Tejera, que com ela escreveu Stesa sul Sofà e Al Posto Del Mondo, Patrizia Cavalli, entre as grandes poetisas italianas, Nicola Stilo, eclético flautista do jazz italiano, sempre perto do Brasil e sobretudo de Chico Buarque, e todo o FC Stesa sul Sofà, que a segue em toda parte.

E aquele infinito público que a adora como se adora uma diva de outros tempos, e que dá coragem de mudanças sempre. O movimento de pêndulo de um geminiano não é fácil de aguardar para o próprio geminiano, e a mudança é o único objetivo de dar um sentido ao mundo que, contudo, gira ao seu redor.