sexta-feira, 6 de junho de 2014

Matéria do Il Foglio Quotidiano

Acreditamos que, apesar de eventuais estranhezas que possa o referido texto possuir, sua intenção, de início, foi somente descrever uma das facetas do poder vocal da Chiara Civello: a sensualidade, elegância e a capacidade de criar um clima intimista nas mais variadas canções. A tradução é livre e algumas palavras foram substituídas por seus sinônimos mais suaves em português, pra facilitar a compreensão.

A italiana que exala feminilidade
Elogio irrestrito à Chiara Civello e ao seu novo disco sexy


Tonny Bennett disse que Chiara Civello é a melhor cantora jazz da sua geração. E todos tornam a repetir, porque é fácil de lembrar, porque pega bem, porque está escrito na Wikipédia. É preciso um longo tempo para ouvir as músicas mais significativas de Lala Hathaway, Norah Jones, Jane Monheit, Madeleine Peyroux e obviamente Diana Krall, e se pensa que o velho crooner seja sincero ou ao menos Frank Sinatra. 

Este não é o melhor início para um artigo em que proponho elogiar desenfreadamente Chiara Civello e seu último álbum, eu sei. Mas me serve para dizer que é inútil fazer comparações: cantar, todas listadas acima são capazes, mas é na feminilidade onde não existem rivais para a italiana. Canzoni talvez não seja um disco jazz, talvez nem apenas um bom disco (os responsáveis pelo sound foram Nicola Conte e Eumir Deodato, que deram o melhor, respectivamente, nos anos zero e até mesmo nos anos setenta), mas é um poderoso lembrete do amor físico e isso se deseja no limiar do verão de 2014.

As 17 canções de Canzoni fazem parte do repertório da canção italiana clássica, Morricone, Buscaglione, Gino Paoli, Paolo Conte, Mogol-Battisti, Jimmy Fontana, os campeões de uma época cujas canções eram trilha sonora de Eros. Se me chamassem para fazer a escolha da trilha sonora de um filme com homens e mulheres que na Itália de hoje se procuram e se encontram, eu fugiria, de tão triste que estão nossos novos autores (ex. Le luci della centrale elettrica, de Vasco Brondi), e colocaria Jon Hopkins, Nine Inch Nails, Black Keys. Ou chamaria Chiara Civello: basta um início de um sorriso, uma leve respiração, para transformar a música mais inofensiva em um afrodisíaco para se ouvir sob supervisão médica. Porque ela tem a voz mais destacada de sua geração, um registro incontestável da cantora nascida em Roma, dado insignificante porque muitas pessoas nascem lá, mas siciliana de Modica, muito mais interessante pela sensualidade e preciosidade de uma pequena cidade de igrejas barrocas e chocolates saborosos.

Quem sabe porque a Val di Noto (região da Sicília), produziu tantas belezas assim tipicamente italianas, e penso em Loredana Cannata, Anna Valle, Rosalba Misseri, Valeria Solarino, Margareth Madè. Entre estas, a beleza mais italiana de todas é mesmo aquela de Venere di Modica, intocada pelo exotismo. Só que o povo italiano é fruto de várias misturas, mas constato que existe um biótipo por assim dizer baricêntrico, uma peculiar combinação de genes que só os italianos podem ter e que portanto Chiara Civello, que com prazer verei crescer.

Sedutora mas não exótica, quando Chiara canta parece que canta para você

Sexy mas sem ser exótica, digo, e sem tomar o atalho da sensualidade que é a ambigüidade. Para atrair ela não necessita parecer um pouco lésbica ou um pouco homem, como por exemplo, Emmanuelle Seigner, para citar uma intérprete de outro disco erotizante lançado a pouco, que tem o charme ameaçador de um travesti. Ela não precisa falar palavrões, é o contrário de uma rapper, e também diferente da deliciosa Camille de “too drunk to fuck”. Não deve ter tatuagens, explícita ou ser vulgar: a sua precedente é Mina, felizmente censurada em “L`importante è finire”. Para ter tudo, o melhor é não dizer tudo. Nem mostrar tudo, como se percebe na fabulosa foto de capa, citando Florinda Bolkan de Metti uma sera a cena, que deixa descoberta uma nada estreita faixa do corpo, do ombro ao tornozelo, e nas músicas antes e depois do vestido que levam finos cordões que não desejamos nada além de desfazer ou cortar (e na penúltima canção canta: “usa-me, tortura-me, rasga-me” que é uma coisa boa).

Não tenho certeza se a homossexualidade tem cura, mas se ela existe é uma mulher com a cara, a voz, as palavras e o corpo tipo Chiara Civello. Tenho certeza que Canzoni pode ajudar aos que sofrem de “assexualidade”, outra doença contemporânea. Existem pessoas que não consideram a opção do amor físico se a canção não os remete à existência. Outra parte sexy do disco é o cover de Va bene, va bene cosi, onde uma voz com o tom perfeito e a pronúncia decidida: O que faremos, estamos juntos esta noite, vai... e depois de um sax chega a poesia do fato consumado: “Você percebeu que fizemos amor, sim?“ Quando cantado por Vasco parece que ele canta para um estádio inteiro, cinqüenta mil pessoas e portanto, ninguém; quando Chiara canta, parece que está dizendo a você.