sábado, 10 de março de 2012

PopMatters entrevista Chiara Civello

Essa entrevista, publicada logo após o lançamento do Last Quarter Moon, sem dúvidas, é uma das melhores matérias já feitas com e sobre ela. Muitas informações que posteriormente se perderam em outras entrevistas, a abordagem de um aspecto muito mais intimista/familiar da Chiara, referências a coisas que a inspiram...

Experiência Transformada em Música: Uma Entrevista Com Chiara Civello
por Nikki Tranter
Jazz é a máquina de mergulho mais incrível quando se trata de ir fundo na música. Mas eu sabia que não poderia ser a nova Ella Fitzgerald; não poderia ser a nova Shirley Horn. Aprendi todos os tipos diferentes de música e então disse para mim mesma, "eu preciso achar minha própria voz. Hora de desaprender, hora de ser livre'. É como uma balão de ar quente: para poder voar você tem que se desfazer dos sacos de areia. Eu quero ser o mais leve que puder.
        - Chiara Civello, biografia da Verve Music Group

Com expectativas assim impostas a si mesma e um claro entendimento de sua importância em criar um jazz sustentável e excepcional, não é um grande choque que o CD de estréia de Chiara Civello, Last Quarter Moon, soe como um trabalho profissional. Quer ela as aceite ou não, as comparações com Ella e Shirley são válidas. A mesma fluidez de expressão existe em seu álbum, a mesma intuição, e a habilidade para surpreender nas melodias mais simples e previsíveis. Nestes dias, Chiara está mais propensa a ser comparada à Norah Jones e Diana Krall e Lizz Wright, mas tudo bem - essas mulheres, também, evocam imagens de Ella, e todas elas tiveram que começar de algum lugar.
Ella Fitzgerald, talvez o maior nome feminino do jazz
Chiara Civello nasceu em Roma e se mudou para Boston em 1994 numa bolsa de estudos para a Berklee College of Music, aonde estudou com Harold Crook, Ed Tomassi e Jerry Bergonzi. Sozinha, estudou música mediterrânea, entrando tão fundo nos sons da região que acabou aprendendo espanhol e português como resultado. Até que membros de sua banda começaram a colaborar com Paul Simon e, consequentemente, o produtor de Simon, Russ Titelman, foi quando ela pôde pôr seu estudo em prática. Russ adorou tanto sua canção "Parole Incerte" que a aconselhou: "Você é uma compositora, você tem que compor". Em pouco tempo, Chiara estava escrevendo e co-produzindo Last Quarter Moon, gravando backing vocals para "October Road", de James Taylor, e duetando com Tony Bennett no caminho.

"Um começo superior" é a melhor maneira de descrever o álbum de Chiara, aonde, segundo ela mesma, o jazz é somente o ponto de partida para o que ela espera que seja uma carreira com muitos gêneros. "Eu realmente não me considero uma performer de jazz; jazz marca minha entrada na música," contou recentemente à PopMatters, listando entre suas influências Bob Dylan e Joni Mitchell. Last Quarter Moon, embora considerado um lançamento jazz, é temperado com tanto folk quanto jazz, e até consegue ter umas batidas brasileiras e uma ou outra ambientação corajosa inspirada pelos seus anos na cena de Boston.

Os pontos mais sombrios do álbum são seus melhores, principalmente "Trouble", uma balada de um amor perdido co-escrita com Burt Bacharach, com uma melodia matadora e letras que combinam:

"Posso te sentir em toda parte
Você é como veneno no ar
Impossível
Eu sei o caminho para fora de você
Problema"

As composições de Chiara parecem menos padronizadas depois do melhor de Bacharach, James Taylor e até Billy Joel. Ela tem um talento especial para colocar, em suas músicas, imagens fortes para sustentar o linguajar mais comum das canções de amor. A música que fecha o álbum, "I Won't Run Away", por exemplo, tem um verso sobre "minhas lágrimas correndo até você", mas também descreve uma fraqueza romântica como: "Tudo que sei é que em breve irá nevar/Quando o verão estiver encoberto/O frio irá tomar conta/E congelar a terra e tudo o que cresce".

O mesmo vale para a requintada "The Wrong Goobye", com a abordagem de conversação de Chiara parecendo, deliberadamente, guerrear com o piano ao fundo, recusando-se a seguir seu ritmo. A canção é repleta de imagens ("Se ao menos você soubesse/Como fez meu dia ontem à noite/Entrei surpresa/Você parecia um astro de cinema/Derramando toda sua beleza nos copos das pessoas"), sem melodia distinta entre seus versos. Aqui Chiara se alegra, com as notas quebradas complementando as letras, trabalho feito com rimas que amarram os versos complexos até um refrão simples ("Tudo o que tenho é um pedido esta noite/Por favor não me mande para casa um o adeus errado").

O ouvido de Chiara para melodia é seu melhor trunfo nas faixas do álbum que não estão em inglês, incluindo "Ora", "Sambaroma" e o destaque "In Questi Giorni". Há uma qualidade meditativa nas canções, que são mais sobre se perder nos sons do que se preocupar com o significado das letras, o que testemunha sobre as habilidades de Chiara na construção da música. Por mais impactantes que sejam essas músicas mesmo se você não sabe sobre o que elas falam, as frases dela em suas canções em inglês fazem da tradução um prospecto excitante demais para deixar passar - embora, confie em mim, será preciso uma fonte melhor do que o Google Tradutor. Por agora, estou feliz com o mistério.

Em julho, Chiara volta para a Itália para um número seleto de shows, incluindo vários no renomado Umbria Jazz Festival, aonde ela irá ser divulgada junto à Elton John e Diana Ross. "Você tem que se preparar para se sentir sozinho", ela diz sobre fazer turnês, mas com otimismo, ela não pode evitar de encontrar harmonia mesmo nos cantos mais escuros. "Mas solidão é um ótimo lugar para começar uma canção". Chiara falou rapidamente para a PopMatters em seu caminho para o Japão a fim de promover e apresentar músicas do Last Quarter Moon.

PopMatters: Qual sua música favorita?

Chiara Civello: Bom..."Moon River". Antes de tudo eu amo "Bonequinha de Luxo". A cena onde Audrey canta na janela? Uau-- que melodia Mancini escreveu. Sem falar de "Huckeberry Friend"-- o gênio da composição, Johnny Mercer.

              
"Bonequinha de Luxo" (1961)
                        

PM: Minha música favorita do seu álbum é "In Questi Giorni". Sem falar italiano, eu não tenho idéia sobre o que se trata-- porque você acha que canções como essa funcionam independentemente da língua e do entendimento do ouvinte? É importante entender a letra de uma música ou reagir à música é agradável e forte o bastante?
CC: Acho que se a melodia sozinha consegue te emocionar, é ótimo. Deixa mais fácil para as letras virem. Cresci ouvindo músicas sem saber o que significavam as letras, então acho que isso se traduziu na minha composição, sempre me fazendo começar primeiro pela música. Todo o poder para a melodia. Melodias podem mover montanhas.

PM: Você pode transcrever em palavras que aspecto do jazz fez você querer ser uma performer de jazz?

CC: Realmente não me considero uma performer de jazz. Posso dizer que jazz marca minha entrada na música. Estudei jazz em Berklee por um tempo e amei obsessivamente até que senti necessidade de explorar estilos diferentes de música, música de diferentes partes do mundo, mais representativas do tempo e lugar em que eu vivo, como Nova Iorque, a cidade onde você acha 20 raízes étnicas em um vagão de metrô.
Estação de trem "L", em Nova Iorque, que vai do Brooklyn a Manhattan


PM: Por que o jazz é importante?

CC: Jazz é importante porque é uma manifestação da liberdade, e esse é o elemento que eu decidi manter na minha música...liberdade.

PM: Sua biografia diz que você estudou os estilos de composição de Bob Dylan e James Taylor. Foi um estudo deliberado? O que isso fez, no fim, com seu estilo de escrever?

CC: Tudo na música vem de uma intuição, de um forte sentimento tomando conta de você. Assim como quando eu quis aprender jazz e transcrevi os solos dos mestres de jazz até que entendi o vocabulário e desenvolvi meu próprio sentido, quando percebi que estava sendo atraída para escrever canções o melhor que fiz foi ouvir como os mestres desenvolviam seu ofício ao longo de suas gravações -- uma longa pesquisa até que encontrei minha própria voz.

Bob Dylan, artista considerado um dos maior compositores de todos os tempos


PM: Você tem preferência por alguma língua? Você prefere compor na sua língua nativa? Que desafios existem em escrever em línguas diferentes?

CC: Não tenho uma preferência. Quando escrevo uma música eu sempre começo da melodia. Uma vez que a música está pronta ou quase pronta ela dita que língua a letra deve ter. Italiano é mais adequado para certas melodias e inglês para outras. O mesmo para espanhol e português.

PM: O que estava por trás da sua decisão de incluir músicas em italiano e em inglês no seu álbum?

CC: Bem, eu sou italiana, e vivo nos EUA há 10 anos. Essas são minhas línguas...é como eu me expresso.

PM: Como você está se sentindo depois do lançamento do álbum?

CC: Tenho muitos sentimentos diversos sobre o lançamento do Last Quarter Moon. É meu primeiro álbum e representa um passo oficial para um patamar criativo mais profundo, aonde minha experiência é transformada em música. Isso traz muita alegria por poder fazer isso -- e muita responsabilidade por saber que é somente o começo.

PM: Explica um pouco sobre o processo que envolveu a produção desse CD. Como você escolheu as músicas, etc.

CC: Eu comecei a escrever canções para o álbum em 2002 e entrei no estúdio em 2003. [Produtor] Russ Tiltelman foi a pessoa que realmente me encorajou a escrever e me ajudou a preparar o repertório e a dar a ele o melhor formato com meus amigos que tocaram. Em relação as versões, não estava interessada em fazer um cover de nada que tenha sido feito milhões de vezes antes. Fiquei muito fascinada por "Caramel" quando ouvi pela primeira vez Suzanne Vega cantá-la num show, então decidir cantar.
Capa do single de Suzanne Vega

PM: O quão excitante foi trabalhar com Burt Bacharach?

CC: Encontrar Burt Bacharach foi como encontrar A Canção em pessoa. Ele é um dos seres humanos mais elegantes e simples que conheci. Ele é um verdadeiro artesão do som. Trabalhar com ele me deu muita força e encorajamento.

PM: O que você acha da música popular contemporânea? Considerando o sucesso de Michael Buble e Norah Jones, por exemplo, você acha que pessoas mais jovens então se abrindo para a música antes considerada "adulta'?

CC: Sim, eu acho. Vejo isso acontecer ao meu redor e eu acho que é uma grande oportunidade para o público e os artistas estabelecerem sons modernos que evitem que a qualidade e novidade se percam no mundo das músicas "chiclete".

PM: Você encontra reações diferentes à sua música ao redor do mundo? Italianos reagem diferente dos americanos, por exemplo?

CC: Sim, as reações são diferentes e essa é a beleza de fazer o que eu faço. Promover um álbum é também conduzir uma pesquisa antropológica. No Japão, por exemplo, as pessoas amam (o disco). Eu já estive lá três vezes e o público é maravilhoso. Muito diferente, muito quieto e sentimental.
Chiara no Japão, algum tempo depois dessa entrevista


PM: O que você acha que atrai um ouvinte para um estilo particular de música?

CC: A honestidade, a verdade de um artista. Pelo menos é isso que eu gostaria que fosse.

PM: Quais são suas esperanças para o futuro da carreira? O que é importante alcançar como uma cantora/compositora?

CC: Um cantor/compositor é um contador de histórias. Contadores de histórias são observadores e intérpretes de sentimentos, através do som e do silêncio, através das palavras e das pausas. Minha jornada como uma contadora de histórias apenas começou e eu quero ser o melhor que posso ser. Agora estou ocupada levando raios de uma lua minguante para cada casa e preparando novas histórias para contar.